A vida às vezes prega peças na gente, mostra quem manda e confirma que quase sempre não somos nós mesmos quem mandamos. Em certos momentos apenas sobrevivemos. Olhamos pra frente, para os lados e até para trás, e nada.

Tudo escuro.

Inclusive, será que perdemos a luz que nos guiava ou foi a vela que acabou? Carregávamos alguma chama?

É como se você estivesse no mar à noite, mais que isso, no agitado mar da noite. Sem tocar os pés no chão, se agitando para não afundar, água fria e salgada batendo na boca, pequenos goles, corpo trêmulo e olhos arregalados. Não contamos pra ninguém, mas não sabíamos nadar.

E de tanto nos debatermos, de tanta água engolir, de tanto desespero e solidão, de alguma forma, aprendemos a nadar. Ou você nada, ou você morre.

Morrer nunca foi uma opção. Não por apego ou nada que o valha. Mas porque não teríamos um lugar seguro para deixar nossas bagagens. Nossas mais preciosas bagagens. Cada um com a sua. Cada um sabe o peso e o valor de cada uma delas. Por mais que possam te ajudar a carregar, no final ela ainda é só sua.

É duro nadar sozinha. É duro nadar o tempo todo. Mesmo quando todos dizem que você deveria boiar. Ainda assim, por mais incrível que pareça você, que antes não sabia ( ou havia esquecido), só sabe fazer isso: nadar, nadar, nadar .

Nadar no nada.

Seus olhos buscam a luz, um farol talvez, ou qualquer coisa que possa te guiar, mostrar o caminho certo a se seguir. Algum sinal de fumaça. Terra firme. Mas eles estão molhados, ardidos, vermelhos e ao redor apenas vulto, lua e maré. Não veria nada além de água, sal e escuridão.

Talvez também tenha desaprendido a enxergar.

Pensa então que qualquer coisa que não afunde pode te salvar, um toco de madeira, um galho, quem sabe uma boia poderia te salvar, seria algo como um descanso merecido. Porém qual a probabilidade de encontrar algo perdido que você deseja tanto? Você aprendeu que sonhos não se realizam, e que não se deve confiar no mar.

Então por acaso (já disse que não acredito em acaso?) você percebe uma boia bem na sua frente. Uma bela, linda e salvadora boia. Será? Logo você se agarra com toda a força que possui. E pensa que está salva. Agarra-se tanto, com tanto fervor, que parece um ato de pura fé, quase devoção.

Você já deveria saber que tudo que não é feito de terra e pedras um dia, mais rápido do que você é capaz de supor, se esvai. E um dia, esse amparo que você tanto se apoiou, se vai. Vai porque quis, vai porque precisou ir. Você nunca saberá. Talvez você até vá antes dele. Mas é a Lei. Tudo acaba. Seu mergulhou no mar gelado e negro é tão profundo que quase sente os pés tocarem o fundo dessa imensidão.

Quando tempo conseguimos ficar sem ar?

No silêncio do mais escuro mergulho?

Teremos fôlego pra subir?

 Teremos força?

Instintivamente seu corpo apenas sobe, embora metade dele queira ficar lá adormecido e congelado no fundo do oceano.

sobe.

sobe.

ar.

E você sobreviveu. Mas acabou por perceber que sobreviver era pouco, decidiu viver. Conheceu o árduo e longo caminho cheio de voltas até finalmente aprender a nadar.

Nadar sozinha.

Hoje, você sabe por onde e porque está nadando. Sabe que na margem a vitória é certa e existirá uma torcida enorme te esperando. Sabe que cada gota de suor e sal será recompensada. Sabe sentir o toque da areia do abismo mais profundo. Sabe o caminho de cor de como chegar a esse abismo. Mas decide, decide todos os dias, sair de lá. E ao menor sinal de areia, nada mais forte e mais forte, sempre pra cima, procurando ar, o seu ar.

 O ar que você conquistou.

E quando já sabe nadar, decide apenas flutuar. Tudo recomeça. E a escuridão não existe mais. Vemos luz no horizonte e sabemos que um dia certamente poderemos voar.