“Não se preocupe, eu também tive um”, “É muito comum na primeira gestação”, “Já, já você engravida novamente”, “Foi melhor assim”. Estas são algumas expressões superficiais para estabelecer uma linguagem sobre ele: o luto materno e que invalidam todo o investimento emocional, as expectativas e os desejos que permeiam a chegada de um filho. Invalidam um sonho! Enquanto pertencente a um clube imaginário de mulheres, sem os seus bebês – a recompensa. Somos projetadas para um planeta secreto de dor e invisível ao restante do mundo, como uma viagem, com data de partida, tempo de permanência e data de retorno, na perspectiva do outro, claro! Mas, a realidade é bem diferente. A mulher que vive a perda jamais voltará a ser como era antes de encarar o real doloroso – luto materno. É uma cicatriz, que fica ali, registrada. E, todas as vezes que revisitamos aquele lugar reencontramos com as nossas dores.

Para escrever estas linhas, repletas de significados, precisei revisitar minhas dores, minhas cicatrizes, voltar ao planeta secreto. O ano de 2015 foi o marco inicial da minha estreia na maternidade. O positivo chegou e com ele todos os medos e inseguranças dessa fase. Não sei descrever em palavras, mas o luto chegou antes da constatação que o coraçãozinho do meu pequeno bebê já não batia mais. Fui tomada por uma tristeza inexplicável, como se meu corpo já emitisse sinais do luto que se aproximava. E ele chegou devastador, como um fenômeno natural incontrolável, sem deixar possibilidade de vida. Parte de mim morria junto com o meu bebê!

 A perda gestacional não se restringe a dor física (que é indescritível), envolvem sentimentos que permeiam o fracasso, a culpa, a impotência e o que resta de nós é como terra devastada. Pra quem olha de fora, as expressões superficiais lhe cabem muito bem, mas para nós, que vivemos na pele, o estrago é de proporção imensurável e o sentido da vida passa a ser questionado.

Um ano passou e em 2016 um novo positivo chegava para voltar a dar sentido a minha vida. Dessa vez fui inundada por um sentimento inexplicável, o oposto da primeira gestação, uma energia vital e uma certeza que daquela vez tudo seria diferente. Na oitava semana um sangramento, um exame de imagem de emergência com um profissional médico competente na sua habilidade técnica, mas completamente despreparado na relação humana constatou um lago venoso e a sua fala ecoa até hoje como um fantasma, não só pelo laudo, nada animador, mas pela sua insensibilidade: “Olha, eu não criaria muitas esperanças, há um descolamento do saco gestacional de 50%”, dando tapinhas na minha perna, enquanto eu processava a notícia.

 Enquanto enxugava minhas lágrimas, marquei um novo exame de imagem, agora com um médico que hoje se tornou um amigo, não só pela sua competência, mas por sua humanidade. Este dia está registrado em um lugar especial das minhas memórias. Ele adentrou a sala e antes de tocar em mim fez algo raro nos dias atuais, me ouviu! Perguntou sobre a minha história obstétrica, o que fez toda a diferença e estabeleceu uma relação de confiança e respeito. Após me ouvir, realizou o exame e nunca mais vou me esquecer do sentimento que tomou todo o meu SER quando vi a imagem daquele mini bebê. Lembro que minha reação foi um sobressalto: “Ah! Olha o nosso bebê!” me dirigindo ao meu marido que segurava firme a minha mão, enquanto chorava incontrolavelmente. Corri os olhos para o meu médico amigo e o sorriso tímido e os olhos marejados me diziam que o fantasma da perda não rondava mais esse capítulo da minha história.

Quando a maternidade se torna concreta diante dos nossos olhos acreditamos que a dor que antes assombrava já não tem mais lugar frente a uma alegria indescritível, mas vem a natureza e nos lembra que cada gestação é singular e cada filho é único. Fui surpreendida com o meu terceiro positivo. Afinal, estava com um bebê de um ano e três meses, amamentando e não tinha planejado engravidar na ocasião. Mas, percebi que algo estava bem diferente das gestações anteriores e, certamente, o fato de ser Enfermeira Obstétrica influenciou diretamente na minha percepção. A confirmação veio, era uma gravidez ectópica. Desta vez a decisão girava em torno da minha vida e a escolha era única – a interrupção. Em uma fração de segundos fui transportada, de volta, para o planeta secreto. Outra parte de mim morria com o meu bebê!

 Não pude ficar por muito tempo no planeta secreto, precisei retornar logo, pois diferente da primeira “viagem” a maternidade já se fazia presente e o luto foi sendo amenizado pelo amor incondicional de um menino adorável e que me faz seguir em frente, por ele e pelos seus irmãos (meus anjinhos). E é para eles que dedico este texto, em especial, estas últimas linhas:

 

"Meus filhos... vidas que pulsaram 
em meu ventre e me 
fizeram sentir Mãe, Mulher, 
potente e impotente, forte e fraca,
 feliz e infeliz, viva 
e morta. Sentir cada um, 
seus movimentos, ouvir seus 
coraçõezinhos batendo 
junto ao meu foi 
indescritível. Vocês me 
tornaram Mãe, deixaram suas 
marcas viscerais em mim. 
Meus filhos, meus anjinhos,
 obrigada pelo doloroso e intenso 
aprendizado de maternar 
e amar cada um por 
toda a minha vida. 
Com amor,
 Mamãe."

 

Para você mulher, que assim como eu, sabe o que é o real doloroso – luto materno compartilho minhas vivências como uma forma de abraça-las e acolhe-las no clube das mulheres especiais e evoluídas. Porque só uma mulher que ama um ser, sem ao menos conhecer, conseguiu se aproximar daquilo que chamamos de amor incondicional.

Sugestão de Filme: Pieces of a Woman

Imagens: Amanda Cass